foto - Maristela Raineri |
“Jazz é música de Preto, de
Pobre... É a música da diáspora Negra, é música clássica Negra. Nós somos o
Conde Favela e estamos aqui para cometer o jazz...”
Depois do aviso, um sax irrompeu
com o vazio como uma trombeta xamânica a anunciar a débâcle que ali teria
início. Buruga e seu sax King davam a introdução do tema “Zaíra 13” em ritmo
compassado até que um trompete cheio de fúria e verso rasgaria com toda a
previsibilidade de melodias óbvias. A banda acompanha em transe e a partir
dali, nada mais seria o mesmo.
O Conde Favela cometeria o jazz e
nas duas horas seguintes o batimento cardíaco da cidade seria alterado por
conta de uma enxurrada de notas flamejantes, de um jazz seco, árido e belo, como
só o Conde poderia fazer. Era o jazz de Mauá tomando conta da noite paulistana.
Era a maloqueragem do abc chegando com tudo.
O Conde Favela e seu som de um
milhão de toneladas começavam a atacar...
Ao som de “Equinox” de John
Coltrane, com o naipe de metais formado por Mabú Reis, Edson Ikê e Buruga, o
Conde trouxe todos os olhares da Boutique Vintage e Brechó Bar onde rolou o
show no Belém, Zona Leste Paulistana, todos para si. Começou a hipnose de quem
estava ali apenas para beber seus drinques tranquilamente, para em seguida, conhecer
toda a gama dos estudos musicais do sexteto de Mauá. Algo que já vem de muito
tempo.
Formado em 2009 a partir de uma
dissidência da UAFRO, banda histórica do abcd, o Conde Favela começa seus
trabalhos e estudos acerca da história da música negra, passando por diversas
fases, indo do samba jazz ao rap, passando pelo hardbop e descambando bonito
para a improvisação jazzística, dinamitando falsos mitos e outros glamoures
bestas que empesteiam o jazz.
“O que percebemos que existe um
desconhecimento da música, embora o Brasil seja muito musical, existe ainda uma
ignorância em relação à produção de música instrumental, ao reconhecimento e
perceber diferença de um sax para um trompete. O jazz principalmente tem um
estigma de música sofisticada, e procuramos desconstruir esta idéia, até pelas
nossas origens. Este estilo sempre foi muito combativo, questionador, que muito
vezes fez frente à massificação e produtos sem alma da indústria cultural.” –
Conta Edson Ikê, fundador do Conde e trompetista da banda
Alma!
Tudo que pulsa no Conde Favela é
Alma. Tudo que é de verdade, tudo que vibra, tudo que as vezes pode até
sangrar. Porque talvez essa seja a melhor metáfora que define o que aconteceu
no show da ultima sexta. O Conde sangrou jazz lindamente por todos os poros.
Contando com a guitarra melódica
da mão direita mágica de Arthur Vital e a cozinha incendiária de Alex Dias no
baixo e Rafael Cab na bateria, o Conde seguiu derrubando queixos na Boutique
Vintage. Temas como “Exotique” de Lee Morgan, “Backslash” ganharam toda a
maloqueragem citada para ficar com a cara autoral do sexteto.
“Quintessência” do Mestre JB
Meirelles foi todo samba necessário para botar o povo para chacoalhar as ancas
e no final, a participação especial do músico e compositor Ba Kimbuta bota fogo
geral, na noite.
Bá Kimbuta e a pancadaria sonora
Ba Kimbuta, pelas lentes de Maristela Raineri |
Após o tema “Serenade To a
Cuckoo”, o Conde Favela chamou ao palco o músico, rapper, produtor, compositor
e percussionista Bá Kimbuta para o fecho da noite. A bordo de um tema
totalmente novo de autoria de Bá que ainda nem tem um nome, o Conde improvisou,
dançou, fez rap, fez samba e botou todo mundo em transe no local.
Minutos de graça, de fúria e
poesia em forma de uma pancadaria sonora visceral e linda. Ao término, na saída
do palco, uma frase de Edson Ikê dirigida a esse repórter, define bem o que é
um show do Conde Favela.
“A gente não ta de brincadeira,
Marcelo...”
Por favor, conheçam esses caras,
povo...