Foto- Pritui Pandin
Porque eu fui ver o duo Two
Brothers, ontem no Apostrophe Bar?
Qual seria o apelo para a
matéria? O interesse, a razão? Em 2017 o Jornalista ainda segue os acordes
blues? Mas para que?
Jimmy Witherspoon foi um dos
maiores cantores de blues do Arkansas, uma lenda. Um homem que dedicou sua vida
às raízes da verdadeira cultura americana. No final dos anos 60 com o boom que
o Blues teve por conta do interesse dos novos roqueiros ingleses, o Mestre deu
uma entrevista para a BBC e a garota que o entrevistava perguntou porque da
escolha em ser interprete, sem necessariamente ser músico, Jimmy respondeu:
“Oras, tocar blues é fácil.
Qualquer um pode tocar. Mas para cantar isso... O canto vem da coisa de interpretar
um Blues como se deve, algo que eleva o sujeito ao ápice da condição humana,
uma coisa que eu não posso te explicar, mas que sinto. Blues não é que se
explica, Blues é o que se sente”
Em tese é isso.
Blues é algo que vai além da
música. É um estado supremo, divino que extrapola tudo isso. É o veneno que
cura a dor. E para entender isso tem que ter sentimento.
Precisa conhecer o mundo, a vida,
os guetos, os pardieiros, o amor e as dores do mesmo. Precisa saber das
benesses que podem existir num vômito em um banheiro sujo na alta madrugada de
um duvidoso boteco, de uma improvável cidade qualquer. Um lugar que só existe
para aqueles que sabem apreciar a última gota da garrafa de uísque comprado a
parcas moedas.
Um grande blues só pode ser
tocado por aqueles que vivem na exceção do que é apenas convencional.
Andre Calixto e Ninho Vilela
sabem disso tudo. E por isso fui vê-los cometer o blues na noite...
A Dupla
Conheci André Calixto em um tempo
onde os sons eram vários.
Começo dos anos 90 éramos dois
garotos descobrindo o rock, o samba, o soul, o jazz, o blues e a vida.
Conversas de horas na banca do Tonho e do Chico em Santo André, cervejas e mais
cervejas em voltas pelos bares da Bernardino de Campos e uma amizade de 25
anos.
O amigo hoje é músico experiente
a frente de projetos dos mais variados como seus estudos em moda de viola,
sambas antigos, musica oriental e a reconhecidissima Nomade Orquestra. Foi ele
que me contou da ideia de formar o Two Brothers:
“Sempre falei muito com o Ninho
sobre sons e parcerias e efetivamente mesmo nunca havíamos feito nada. A ideia
do Duo nasceu porque eu saquei que esse formato, com Cordas e sopros não era
dos mais convencionais e a possibilidade de criar a partir daí me parece algo
bem bacana”
Do lado nosso, Ninho Vilela nos
acompanha na conversa...
Falar que a guitarra de Ninho tem
única e tão somente timbre é um erro; Sua guitarra não reproduz timbragens, mas
sim, estados puros de espírito e encanto.
Ninho Vilela desde sempre é o
cara do abcd que melhor entende a essência disso que é o blues. Um sentimento
que escorre por cordas de aço e arame em noites apocalípticas onde as coisas da
vida fogem à razão.
Não estamos falando do mundinho
cartesiano, careta, de formadores de opinião apenas óbvios. Falamos de Blues. Nesse
universo, tanto quanto o que o cara realiza como homem, como artista, como
músico, importa a paixão. Vale a insana e deliciosa experiência de viver a vida
de maneira intensa, como se todo dia fosse o último.
Dessa paixão, Ninho entende. É
com ela que ele começa a cometer o som ao lado de Calixto.
A Hora que o Blues
Acontece
Equinoxx de John Coltrane, temas
de Little Walter, Lou Donaldson e afins foram interpretados com força,
criatividade e uma boa dose de abuso em desconstruir clássicos absolutos para
se encontrar as versões que mais se identificam com a cara do Duo.
Atrás da meia luz do Apostrophe
Bar, num emaranhado de conversas esparsas e outras microfonias, dois músicos
ousaram flertar com o que se tem mais mítico, épico e espiritual das
encruzilhadas da vida e dos sons.
Acompanhados da participação pra
la de especial de Luiz Galvão (Otis Trio, Nomade Orquestra), com violões,
gaitas, guitarras e Sax, o Two Brothers experimentou os melhores venenos
sonoros, as únicas receitas pra cortar as dores óbvias.
Foi pouco mais de uma hora e meia
em que os coiotes noturnos uivaram pelos cantos e becos escuros do que se
imagina como noite. O show do Two Brothers, mais que do que recomendável é uma
experiência necessária que nem cobra muito de quem pensa em vivê-la.
Basta ter coração. Parem um pouco,
dêem uma chance ao lirismo e o estado lúdico de uma nota da guitarra de Ninho
Vilela e das lágrimas que saem como notas das gaitas de André Calixto e garanto
a vocês:
As suas noites serão muito mais
agradáveis...