Uma lua em que eu enchi a cara de
campari e mais outras pílulas de nenhum glamour para depois ir até o
apartamento dela, tentar consertar todas as cagadas de amor que fiz aos meus
tenros 23 anos de idade que tinha. Cheguei e quando apertei a campainha caindo
de bêbado ela atendeu e então falei tudo:
“Olha, eu não tenho a menor idéia
do que será de mim, de você, de nós dois daqui uns 10 minutos, futuro sei lá.
Também sei que mesmo que você acredite nisso que vou te dizer a probabilidade
de eu estragar tudo brevemente é enorme porque acho que nasci para estragar
tudo que me faz bem, mas enfim; A única certeza que tenho agora é que te amo
profundamente. Com todas as minhas forças e as minhas “não forças”… Eu te amo!”
Parada em frente à porta do
apartamento, assistindo minha performance de Bogart derrotado e bêbado, ela me
disse:
“Marcelo, eu to gripada, de
pijama, pantufa, meio zonza dos dois valiuns que tomei para ver se durmo e na
boa; O maior interesse da minha vida hoje é minha cama. Entra que você ta
bêbado, o sofá você já conhece. Tenta dormir um pouco também…”
E para arrematar:
“Vê se não faz barulho quando for
pegar água na geladeira. Eu vou acordar cedo!”
Naquele momento que ela saiu eu
me joguei no sofá. Além de sofrer, não me parecia ter mais nada para fazer
naquela noite até que olhei para a mesa de centro e vi um livro do Paul
Verlaine ao lado de um discman e um cd de nome “Canções” do Péricles Cavalcanti. Olhei para o
discman que estava perto, coloquei os fones e botei o cd parar ouvir.
Sem me dar conta fui me acalmando
e quando dei por mim ouvi um verso forte da música “Blues da Passagem”:
“Pra você que me pergunta/Porque estou nesta cidade/Sozinho, com um
blues ao violão/Eu digo na verdade/É só por necessidade/Pois preciso da
passagem de avião/Pra voltar pruma garota/Que eu deixei lá em Dakota/E que tem
meu coração”
Daí pra frente a magia se fez. A
dor passou um pouco, eu ouvi o cd mais umas duas vezes aquela noite e dormi
muito bem. No outro dia acordei tarde e com ressaca, o amor não estava por lá,
foi para a Dakota dela. Olhei para o livro do Verlaine e o abri a esmo em um
poema com uma frase:
“Não há nada melhor para uma alma do que tornar menos triste outra
alma”
Era isso.
De 1992 até hoje, na minha
relação com a obra de Péricles Cavalcanti, ele tem sido a alma que deixa a
minha alma menos triste...
EU SOU LEE SCRATCH PÉRICLES!
Reencontrei Péricles Cavalcanti
cobrindo o show que comemorava seus 70 anos de idade e os seus tantos outros
anos de uma carreira longa, que atravessa décadas de períodos importantíssimos
da história da musica popular Brasileira.
Poeta, músico, compositor,
parceiro de gente como Caetano Veloso, Arnaldo Antunes, colaborador em
projetos de artistas como Rogério Sganzerla, Zé Celso Martinez, sempre a frente
de tudo que há do que se entende como vanguarda, não espanta vê-lo em ação
novo, cheio de vigor e paixão pelo que faz. É simples de entender tudo isso.
Péricles é um homem da renascença
ao mesmo tempo em que é também uma entidade xamânica que transita
tranquilamente pela tradição que vem com o passado vivido nos anos 60, com a
tropicália, com o role em Londres e o barato do hipismo brasileiro dos anos 70,
até todo o moderno tecnológico virtual dos anos 2000, dos anos 10 desses novos
2000 e dos que chegam com eles...
Adorado pela nova geração de
músicos da nova safra, Péricles Cavalcanti é a prova que esse embate entre
“novo e arcaico” é uma estupidez. Ele prova que é perfeitamente possível o
dialogo entre as duas partes.
No show que ele cometeu no palco
do Itaú Cultural tudo isso veio à tona novamente de maneira linda...
O ILUMINAR DAS NOVAS E
VELHAS ALMAS
Acompanhado de feras como Ana
Karina Sebastião (Baixo), Marcelo Monteiro (Sax e flauta) e o filho Leo
Cavalcanti (Vocal e pandeiro), Péricles passeou lindamente por sua obra em
momentos dadivosos.
Musicas como “Cínico e Canalha” “Ser e não Ser”, “Quem Nasceu”, “Medo de Amar nº3”,
“Príncipe das Marés” entre tantas outras canções já clássicas, encheu as
caras que lotaram o teatro de sorrisos. Teve de tudo.
Jazz, samba, soul, funk, folk, a
célula rítmica, a sincopa forte baseada no samba que origina a obra de Péricles
faz com que tudo caiba. Seu enorme liquidificador antropofágico de poesia,
ritmos, harmonias e outros blues, devora tudo, se alimenta de tudo e o
resultado é um show rico, alegre, firme e muito feliz.
No final, em meio a abraços e
carinhos de uma platéia que se recusava a ir embora, falamos um pouco de toda
essa riqueza sonora.
“Para mim tudo é muito natural, coisa que trago de casa, da rádio que
tanto ouvi, das cantoras, cantores que tanto amei e o resultado tai. Chego aos
70 anos muito feliz de ver tudo que fiz, de seguir fazendo tudo que faço. É um
caminho muito bom”
Ao nos despedirmos, dei um abraço
no Mestre e fui sem muito alarde rumo ao metrô que me devolveria a Santo André,
algo que geralmente faço com pressa. Menos daquela vez; Após o show de Péricles
fui para a estação Brigadeiro calmo e feliz, em passos de bolero. Era a paz.
Novamente, Péricles Cavalcanti
fez minha alma mais feliz.
Meu Verlaine favorito...
Vejam um pouco de como foi... video Lidia Chaib